Densha de Go, X-treme Express e Banjo-Kazooie vs. Tooie

Conheça parte da história do simulador de trens Densha de Go, corridas pelos trilhos de X-treme Express e as grandes diferenças entre Banjo-Kazooie e Tooie.

Rafael Smeers
10 min readJan 21, 2025

Densha de Go

O Japão possui muitas das estações de trem mais ativas do mundo, como por exemplo a estação de Shinjuku, que transporta mais de 3.5 milhões de passageiros por dia. Com a relevância deste tipo de transporte público no país, torná-lo entretenimento de toda forma imaginável seria inevitável, e logicamente os videogames seriam uma das maneiras mais diretas de fazer isso.

Inaugurada em 1996 em formato de arcade pela Taito, a série de simulação de trens japoneses Densha de Go (em inglês “Let’s Go By Train!”, que significa “Vamos de Trem!”) conquistou um público cada vez maior ao longo do tempo e hoje conta com 18 títulos, marcando presença em 17 plataformas diferentes. Mesmo assim, a série nunca chegou ao ocidente, que acaba dependendo de fan translations como a produzida pela equipe DDG Crew.

Mas quando se fala em Densha de Go, um dos tópicos mais fascinantes se trata das tecnologias envolvidas na série, incluindo controles personalizados, plug & plays, gabinetes de arcade com quatro telas ou mais, versões para Game Boy Color e Neo Geo Pocket, versão mobile gratuita via browser e um título baseado em FMVs.

Começando pelos arcades, responsáveis por introduzir a série ao público para que ela chegasse aos consoles no ano seguinte como parte da SIMPLE Series, houveram diversos modelos pensados para cada local e público. Com cada versão, novos controles e mais telas foram adicionadas ao painel.

“Em um mercado arcade dominado por jogos de corrida e luta, nos perguntamos qual ideia seria totalmente nova e diferente destes gêneros. A resposta à qual chegamos foi “trens”. […] Quando estive no Museu de Transporte de Akihabara, experimentei o simulador da linha Yamanote e notei que ele era muito popular, agradando desde fãs hardcore até pessoas normais, adultas ou crianças. Foi então que tive a certeza de que Densha de Go atrairia um público amplo; mesmo não-gamers acabariam querendo testá-lo.”
- Akira Saito em entrevista pós-lançamento do primeiro Densha de Go

A versão de 2017 do arcade, seguida de uma versão para crianças, com mecânicas e paineis mais intuitivos.

Para que a experiência nos consoles não ficasse incompleta, surgiram inúmeros controles recriando diferentes trens para diferentes plataformas. Alguns deles possuem até funções como vibrações sincronizadas com o trem.

Aproveitando o formato dos controles, surgiu também a ideia de criar o Densha de Go! Plug & Play, baseado em Densha de GO! FINAL para PlayStation 2 e que atua como um console standalone, sendo vendido até hoje e recebendo uma segunda versão em dezembro de 2023.

Para comemorar o anúncio de Densha de GO!! Hashirou Yamanote Sen, a Square Enix disponibilizou uma página pela qual dispositivos móveis podem jogar o primeiro game da série direto pelo navegador e um vídeo comparando o início e a atualidade da franquia.

Finalizando, as versões portáteis de Densha de Go também apresentam aspectos interessantes. O simples fato de existirem títulos da série para Game Boy Color e Neo Geo Pocket, por exemplo, se deve à capacidade e domínio impressionante de recriar ambientes tridimensionais através de perspectiva e ilusões de ótica.

Mobile Train Simulator + Densha de Go! Tokyo Kyuukou Hen para PSP e PlayStation 2 faz uso de gravações reais capturadas pela câmera frontal de trens japoneses e as acelera ou desacelera para refletir os comandos realizados pelo jogador.

Se você nunca jogou um game da série e se interessa pelo menos um pouco por tudo que ela envolve, pode facilmente começar a explorá-la mesmo em japonês graças a uma infinidade de tutoriais no YouTube. Agora, se preferir algo um pouco mais extremo…

X-treme Express

Caso tenha lido minha matéria sobre a SIMPLE Series, existe a possibilidade de você se lembrar que mencionei que uma parte da biblioteca do PlayStation 2 é composta por jogos japoneses que, no ocidente, marcaram presença apenas na Europa. Além de Metropolismania, Street Golfer e outros títulos que mencionamos lá, X-treme Express também se encaixa nessa situação.

À primeira vista, a premissa pode parecer uma profetização da popularização do meme “Multi-track drifting!!!” (originado de um mangá-paródia que combina Densha de Go e Initial D) ou só uma ideia estúpida que precisaria de muita inventividade para dar certo. Afinal de contas, qual seria o desafio de uma corrida de trens? Na prática, a impressão inicial é a mesma — as corridas entre os trens parecem envolver poucas variáveis e a HUD minimalista aparenta confirmar a falta de complexidade.

Isso inclusive fez com que o título tivesse uma recepção consideravelmente negativa: apesar de serem poucas as análises disponíveis internet à fora, a maioria delas relata frustrações para manter o trem nos trilhos e uma sensação de que a “jogabilidade está incompleta” e “clama por power-ups“. Mas acredite se quiser, tudo o que X-treme Express precisava fazer era informar que segurar os botões L1 ou R1 permite trocar de trilho, acionar o analógico para o mesmo lado da curva evita que seu trem descarrilhe e, por último mas ainda mais importante, que o analógico deve ser repetidamente acionado para a esquerda e direita para retornar aos trilhos.

Ao compreender o papel de cada um desses controles ao longo da corrida, as partidas se tornam uma hilária competição de risco e recompensa. Acelere demais e suas reações terão de ser mais assertivas para que seu trem não saia dos trilhos — arrisque de menos e você acaba para trás, alvo de oponentes que quiserem invadir o seu trilho e te descarrilhar. Conforme os participantes avançam pelos trilhos, os embates se tornam cada vez mais recorrentes, principalmente em trechos em que o número de trilhos diminui de repente.

Alguns dos desafios que o jogador precisa completar para desbloquear novos trens são inegavelmente irritantes, mas o modo multiplayer local de até dois jogadores é muito divertido e ainda por cima mantém os oponentes controlados pelo console, uma função que diversos games de corrida comuns da época não apresentavam. O mesmo pode ser dito quanto à disponibilidade de um replay completo no final da partida.

Em vez de uma linha de chegada, as corridas são encerradas em uma estação de embarque. Cada trem precisa frear a tempo em frente de cada plataforma para finalizar a corrida e contabilizar sua posição. Mais uma vez, a reação dos competidores é desafiada, principalmente porque quando um trem cruza a entrada da plataforma escolhida, um portão elétrico aparece em frente dela e quaisquer participantes que tentarem entrar nela acabam completamente desclassificados, sem direito a uma posição no placar final.

Logicamente, acelerar para invadir o trilho de outro jogador e tomar a plataforma na qual ele pretendia parar é uma estratégia, mas pode acabar saindo pela culatra se o freio de emergência não for suficiente e acabar sendo necessário acionar a ré até a plataforma.

Ao entrar na reta final, uma representação do estado em tempo real de cada plataforma aparece no topo da tela.

As competições acirradas e entusiasmantes são acompanhadas de uma boa narração e trilha-sonora memoravelmente dramática. O jogador escolhe entre diversas pistas em cenários que variam desde pontos urbanos e regiões costeiras à céu aberto até túneis subterrâneos escuros e planícies tomadas por neve e neblina. Mesmo cada pista individual tem variações em clima e horário do dia, aumentando as opções de escolha.

Se a ideia toda ainda soa bizarra, é porque você nem imagina que, originalmente, a corrida não acabaria nas plataformas de embarque — os trens levantariam vôo e a corrida continuaria por vulcões, montanhas, mar e céu com todo tipo de insanidade acontecendo ao redor.

Mesmo no Japão, X-treme Express parece não ter alcançado grande visibilidade. O design dos trens, por exemplo, foi criticado por alguns jogadores por ter falhado em recriar suas inspirações de maneira tão precisa quanto a de títulos mais populares como Densha de Go. Mas por mais improvável que seja, seria interessante ver uma continuação ou relançamento com novos modos e mais pistas.

Banjo-Kazooie vs. Banjo-Tooie

Há poucas matérias, apresentei as versões Xbox Live Arcade dos clássicos de Nintendo 64 Banjo-Kazooie e Banjo-Tooie, que os introduzem ao Xbox 360 juntamente a inúmeras melhorias e entregam a experiência mais completa e agradável. Mas um assunto que costuma render muito mais pano para manga é a diferença entre os dois títulos, que apesar de estarem diretamente interligados, são profundamente diferentes.

Banjo-Kazooie permite que o jogador explore cada fase do início ao fim assim que desbloqueada, a única exceção sendo o segundo round da corrida de Freezeezy Peak, que requer os sapatos de velocidade desbloqueados logo na próxima fase. Dessa maneira, assim que entra em uma nova fase, é possível considerá-la uma “caixa de areia completa” e focar toda sua atenção a ela até que não reste nada para fazer.

Já em Banjo-Tooie, a progressão de cada fase se confunde com a progressão do jogo como um todo, dando lugar a uma dinâmica parecida com a de um metroidvania, em que o acesso a uma nova área pode estar mais relacionado à obtenção de habilidades para explorar áreas anteriores.

Na verdade, as fases sequer são separadas como fases em si, mas sim como frações de um mapa maior e altamente interligado. A morada de Gruntilda — o hub de Banjo-Kazooie — já explorava um pouco essa ideia, propondo que o jogador utilizasse as transformações disponíveis em certas fases para alcançar alguns coletáveis. Banjo-Tooie abraça e desenvolve essa ideia com ambições desenfreadas, por bem ou por mal.

Em pouco tempo de jogo, Kazooie aprende uma enxurrada de novas habilidades que representam apenas uma parte de quebra-cabeças muito maiores.

É aí que mora a questão: a sequência abandona muitos pontos positivos do primeiro jogo e acaba proporcionando uma experiência super confusa no início, mas ao mesmo tempo, tem qualidades muito valorizáveis a longo prazo, que acabam entretendo de outras maneiras.

Por um lado, as “fases” se tornaram muito mais cansativas já que nem todos os Jiggies podem ser coletados de uma só vez e, geralmente, a quantidade dos que podem ser coletados é bem próxima da necessária para desbloquear o próximo mapa. Em outras palavras, a sensação de liberdade do primeiro jogo é substituída por incerteza.

Por outro, o fato de todos os locais estarem relacionados e serem relevantes até o final da jornada acaba compondo uma narrativa mais credível e um mundo muito mais memorável e instigante, com histórias que quase nunca começam e terminam no mesmo lugar. Isso sem falar, é claro, de uma jogabilidade ainda mais rica em variedade. Ambos os elementos são caem como uma luva ao humor cínico clássico da série, que em Tooie, até ousa ser um pouco mais sombrio.

Apesar de sufocar o jogador com novos processos e um aumento expressivo na complexidade, o problema na verdade reside na maneira que algumas mecânicas podem ser desnecessariamente arcaicas e, com a finalidade de evitar consequências imprevisíveis (como exploits ou sequence breaks), acabam indo contra a própria proposta de se ter um “mundo inteiriço” no lugar de fases individuais.

Alguns exemplos de limitações que atrasam o jogador são:

Não é possível retornar à Isle o’ Hags se Banjo e Kazooie estiverem separados ou através do menu de pausa;
Não é possível chamar o trem para uma estação remotamente;
Banjo e Kazooie não podem aprender novas habilidades individuais quando estão em dupla;
Teleportes existem mas nem sempre podem ser utilizados enquanto transformado;
Mumbo precisa ser levado de volta ao seu trono sempre que o jogador desejar voltar a controlar a dupla principal.

E aí, quem é que vai ter que fazer o caminho de volta ou encontrar outro Split-up Pad dessa vez?

Por conta dessa característica e da necessidade constante de backtracking, em vez de gastar apenas o tempo necessário para coletar tudo em cada fase como era o caso de Banjo-Kazooie, o jogador acaba levando muito mais tempo para simplesmente conseguir o necessário para continuar progredindo. Em alguns casos, o resultado é uma interrupção desanimadora na dinâmica, cujo ritmo acaba inconsistente.

Logo, se torna praticamente impossível comparar Kazooie e Tooie diretamente e tentar apontar qual é o melhor, algo que poucos esperariam ouvir de um collectathon e sua sequência direta. Mas sem dúvidas, Banjo-Tooie é o título menos convidativo da dupla, com escolhas de design que requerem mais paciência e deixam os jogadores de Banjo-Kazooie a desejar até que ganhem mais liberdade e tenham a oportunidade de brilhar na segunda metade do jogo.

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Rafael Smeers
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Written by Rafael Smeers

Game QA/Localization & Inbound Marketing. Previous works include Dauntless, 24 Killers and Snap the Sentinel. pt_BR / en / es / ja

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