Pixcodelics e Cosmopax: caracteres do passado

Apresentamos um mundo virtual baseado na primeira animação brasileira a estrear na Cartoon Network.

Rafael Smeers
7 min readJan 15, 2025

Os anos 2000 e o aumento gradual da difusão dos computadores domésticos com acesso à internet proporcionou ao público infantil e infanto-juvenil experiências únicas e marcantes. À medida que fansites surgiam, mundo cativantes como os de Club Penguin, Habbo Hotel e Spineworld despertavam em alguns o amor pela arte digital, leitura e escrita.

Na verdade, mesmo o público adulto podia contar com Second Life e Entropia Universe, que encantavam com algumas propostas muito à frente de seu tempo. Alguns destes ambientes virtuais podiam ser mais acolhedores do que as próprias escolas ou trabalhos que seus usuários frequentavam todos os dias.

Foram nestas condições que os mundos virtuais rapidamente se tornaram uma parte integral da cultura POP dos anos 2000. E não é de se surpreender que a propriedade intelectual brasileira a querer explorar este boom dos mundos virtuais seria também a primeira do país a estrear na Cartoon Network: Pixcodelics.

Pixcodelics

Como Cosmopax (nome atribuído ao mundo virtual foco deste bloco da matéria) carrega o universo de Pixcodelics, é imprescindível falarmos sobre ele antes.

Criado por Marco Aurélio Alemar de Souza e Caio Mário Paes de Andrade — que futuramente viria a se tornar o 41º presidente da Petrobras — e animado por Mário Nannini, a série utilizava computação gráfica 3D para construir seus personagens e cenários. Cada episódio tinha cerca de cinco minutos de duração e o piloto da série estreou no dia 13 de agosto de 2005.

O enredo girava em torno da cidade fictícia Lowpolys e quatro crianças: Pix, Nerd, Hack e Mary Chat. Com o auxílio do oráculo Dotcom e de super poderes garantidos por artefatos especiais, como o Joystick Telecinético, elas tinham a missão de interromper os planos malignos de Dr. Ping, um cientista vindo do futuro para evitar a “Paz Mundial” eventualmente causada pela internet.

Através de uma atmosfera repleta de referências tecnológicas e situações cômicas envolvendo o vilão — muitas vezes atrapalhado por seu gato ajudante Ketslock — a série buscava familiarizar o público infantil e infanto-juvenil à terminologia de TI e conscientizá-lo quanto algumas das ameaças presentes na internet.

No geral, a proposta e até o papel assumido pelas personagens tinham várias semelhanças com Cyberchase, outro desenho animado da época. Contudo, a personalidade de Pixcodelics estava no uso do 3D e em seus designs criativos, em que quase tudo era composto por combinações inusitadas de caracteres, uma espécie de ASCII Art.

Empregada desde as árvores com folhagem de arroba até os detalhes da aparência de cada personagem, esta ideia seria posteriormente uma das características principais do mundo virtual Cosmopax.

Eventualmente, a série fora dublada em Inglês e transmitida nos Estados Unidos pela Animax. Em comentários dos criadores, torna-se evidente que este objetivo influenciou a projeção do desenho.

“Pixcodelics foi pensado desde o começo para ser um produto que agrada a todos os públicos. Acreditamos que é possível criar uma indústria de desenho animado no Brasil, mas para isso precisamos desenvolver propriedades que tenham apelo para outras culturas e temos que ter capacidade para produzir o que prometemos.”
— Marco Alemar de Souza

Marco Alemar se referia ao fato de que, para alcançar o maior público possível, os desenhos animados brasileiros precisariam explorar ideias com as quais uma grande variedade de pessoas pudessem compreender e se identificar. Afinal, por mais que animações com personagens baseadas no folclore brasileiro, por exemplo, possam ser atraentes ao público daqui, dificilmente terão o mesmo efeito em outros locais.

Encerrado com um total de 65 episódios divididos em duas temporadas, ainda é possível conferir Pixcodelics através de um canal oficial no YouTube.

Cosmopax

Lançado em 2009 com base no mundo de Pixcodelics, Cosmopax buscava aproximar os telespectadores do mundo do desenho animado e ao mesmo tempo apresentá-lo a internautas que não o conheciam. Fazendo uso de uma versão aprimorada do criador de Pixtars que já estava disponível no site oficial do desenho, os usuários personalizavam um avatar para representá-los por uma variedade de cenários que misturavam 3D pré-renderizado e 2D.

Na ferramenta de criação de personagens, a quantidade e variedade de caracteres disponíveis para usuários gratuitos era menor do que a para usuários assinantes, que podiam também colorir seus personagens. Aproveitando que mencionamos a assinatura, Cosmopax utilizava muitos preceitos retirados diretamente de Club Penguin, como o Pixtar Card, espécie de cartão de visitas que aparecia na tela ao clicar em um jogador e permitia interações como adicionar à lista de amigos.

Os iglus mobiliáveis eram substituídos por Web Rooms, The Sunday Refresh era um jornal com proposta similar ao do Club Penguin Times e mesmo a estrutura da interface de usuário tinha equivalências evidentes.

Se capturas de tela como essa não são praticamente uma viagem no tempo, ainda estamos longe de ter uma.

A característica mais proprietária de Cosmopax — além do estilo artístico de Pixcodelics — era sua atmosfera misteriosa, às vezes quase macabra e responsável por sensações de espaço liminar e não pertencimento. Mas apesar de tomar inspiração de mundos virtuais de sucesso, Cosmopax não receberia o mesmo tratamento: por se tratar essencialmente de um sub-produto da série de TV, poucos recursos eram dedicados a gerenciar e expandir o MMOG.

Insultos e palavrões muitas vezes passavam despercebidos pelo filtro do chat, o que resultava em conversas de teor mais adolescente e acabava proporcionando uma experiência desinteressante ao público mais jovem.

Bizarramente, a moderação manual ficava por conta de jogadores entitulados Guardiões, que frequentemente abusavam de seus poderes para permitir que amigos entrassem em salas lotadas e, em alguns casos, até baniam outros jogadores permanentemente sem motivo algum.

Os Pixons, a moeda de Cosmopax, por muito tempo não serviram para nada, e quando ganharam utilidade, se tornaram uma microtransação. Rumores criados pela comunidade, como uma personagem misteriosa chamada Naninha que chegou até a ser oficializada, caíram no esquecimento e deram fim na pouca narrativa que existia.

A hipersimplicidade dos cenários (com os quais os jogadores praticamente não podiam interagir) e a ausência de uma trilha sonora também atuavam em detrimento do mundo virtual em comparação às outras opções disponíveis no mercado.

Diferentemente de seus concorrentes, Cosmopax não havia seus próprios minigames, apenas um salão que redirecionava jogadores ao site ClickJogos, gerenciado pela parceira Uol.

Uma construção conhecida por “Palácio da Publicidade” convidava jogadores a clicarem em banners de anúncios para que tivessem seus personagens expostos no “trono do rei”. No entanto, a mensagem “Todos os Pixstars devem visitar e clicar uma vez por dia para poderem ocupar o trono do rei!” feria as regras do portal que gerava os anúncios, o que levou ao encerramento da “função”.

Perdendo muitos usuários por conta de bugs e da falta de conteúdo, Cosmopax foi se acomodando como uma mera sala de bate-papo glorificada, com um criador de personagens que acabava responsável por praticamente todo o trabalho de prender a atenção dos usuários.

Todos estes fatores, somados à queda gradual dos mundos virtuais de browser por conta da adoção de dispositivos móveis, levaria Cosmopax a um final fatídico: em 2013, o site oficial de Cosmopax foi atualizado de maneira a apresentar a mesma mensagem de quando os servidores estavam em manutenção, mas dessa vez, o “ataque extraterrestre” não era temporário.

Agradecimentos especiais ao Twitter Cosmopax Brasil, blog Cosmopax Agora, Wayback Machine e TMDB por tornarem esta matéria possível.

--

--

Rafael Smeers
Rafael Smeers

Written by Rafael Smeers

Game QA/Localization & Inbound Marketing. Previous works include Dauntless, 24 Killers and Snap the Sentinel. pt_BR / en / es / ja

No responses yet