Neurosofismo: quando o cérebro aparece mais do que deveria
Geralmente, quem fala exageradamente da mente, mente.
Você já notou quantas vezes “cérebro” e “mente” aparecem em conteúdos sobre neuromarketing nas redes sociais? À primeira vista, pode parecer inofensivo—meras palavras das quais não se pode escapar ao discorrer sobre o tema. Contudo, isso na verdade acaba gerando uma mistificação do tema, estimulando falsas expectativas e pouco a pouco dando lugar ao chamado marketing “óleo de cobra”, muito presente em discursos de gurus digitais.
Pouco adiante, o uso exacerbado da palavra é também responsável por conduzir leigos à sensação de que o neuromarketing atua de forma a manipular maliciosamente a mente do consumidor e violar seu direito de escolha, anular seu livre arbítrio. Infelizmente, alguns conteúdos até buscam realizar tal afirmação, numa tentativa de atribuir potencial hiperestimado ao neuromarketing e despertar interesse que, se nutrido desta forma, pode rapidamente se tornar desilusão.
O crescimento perpendicular do microempreendedorismo e da oferta de cursos voltados ao tema é sem dúvidas uma das causas da difusão destes excessos. Contudo, estes neurosofismos — termo atribuido ao uso desregrado de jargões neurocientíficos e à ocasional menção desnecessária da neurociência — não são uma novidade. Baseado em uma matéria de 2015 publicada no The Conversation, veículo jornalístico inglês, o pesquisador Joseph Devlin exemplifica uma forma de detectar neurosofismos:
Considere a seguinte frase:
“Os cérebros dos homens são pré-condicionados a pensar de forma concreta, a focar em tarefas orientadas a resultados, a encontrar soluções lógicas e são naturalmente competitivos ou defensivos.”O sentido por um acaso muda se você remover a palavra “cérebro”? Nem um pouco:
“Os homens são pré-condicionados a pensar de forma concreta, a focar em tarefas orientadas a resultados, a encontrar soluções lógicas e são naturalmente competitivos ou defensivos.”Jogar a palavra “cérebro” no meio da frase não a torna menos estereotípica e muito menos oferece apoio científico a ela!
Inclusive, a menção da neurociência com o mero intuito de persuadir e atrair é tema de diversos estudos e discussões. Uma matéria da Scientific American reflete sobre o tema explorando os possíveis motivos pelos quais imagens de cérebros por si só podem ser tão persuasivas, além dos impactos negativos da retórica ao longo dos anos.
Mas se o neurosofismo traz tantos impactos negativos, qual seria a forma mais apropriada de compartilhar o que o neuromarketing tem de fato a oferecer? Na verdade, a resposta é simples.
É preciso, acima de tudo, demonstrar que o neuromarketing tem como objetivo entender como a neurociência pode explicar o comportamento do consumidor, que já é levado em consideração ao criar ou divulgar um produto ou serviço há muito tempo. Assim, ele busca aliar tecnologias emergentes ou não ao que já se sabe sobre o consumidor para identificar e decifrar padrões que na grande maioria das vezes tem explicação científica, mas podem naturalmente ser debatidos com exemplos habituais que praticamente qualquer um entenderia.
Apesar de tecnologias como eye tracking e encefalogramas proporcionarem vantagens ao entendimento do processo de recepção de informações e subsequentes reações, elas focam em aprimorar abordagens já utilizadas. Permitem que sejam criadas estratégias mais assertivas e com sucesso mais previsível, mas não infalíveis.
Em outras palavras, entender melhor a forma que seu cérebro funciona e como ele reage a determinados estímulos possibilita maior aproximação dele. Uma história se torna muito mais engajante à medida que o autor desenvolve personagens tendo em mente exatamente quem elas precisam ser e o que precisam fazer para que você as ame ou odeie.
Portanto, da próxima vez que se deparar com o uso de palavras como cérebro e mente, pergunte a si mesmo: o uso desta palavra neste contexto é mesmo insubstituível ou acrescenta detalhes relevantes? Ou ela só está aqui para gerar fascínio descabido?