Brave Fencer Musashi e Tomba! — a dupla semi-atemporal do PS1

Com jogabilidade moderna até hoje, games refrescaram a experiência de seu gênero criativamente combinando elementos.

Rafael Smeers
6 min readJan 15, 2025

A gigantesca biblioteca do PlayStation 1 é como uma arca do tesouro que abriga de tudo um pouco — são praticamente oito mil títulos lançados ao redor do mundo, abrangendo desde propostas sutis como a SIMPLE Series até clássicos muito distintos entre si, como Spyro the Dragon e Medal of Honor. No processo, surgiram muitas tentativas precipitadas de inovar, prejudicadas principalmente pelo controle sem analógicos (SCPH-1010) e pela falta de experiência em suportar o DualShock em sua chegada.

Em contrapartida, nasciam também alguns games que mais parecem viajantes do tempo, apresentando ideias visionárias, com funções de qualidade de vida e escolhas de design que se provam atraentes até hoje. Dois exemplos notáveis são Brave Fencer Musashi e Tomba!, que misturam gêneros e elementos inusitados de maneiras que muitos outros jogos poderiam se beneficiar.

Brave Fencer Musashi

Para muitos, o elemento collectathon de Suikoden, que dá a opção de viajar pelo mundo completando missões secundárias para recrutar um total de 111 personagens para o reino do protagonista, é uma de suas características mais marcantes. Mas e se essa ideia de mesclar RPG e collectathon fosse um pouco mais longe, adicionando também influências de Kirby, The Legend of Zelda e Final Fantasy?

De maneira isolada, a ideia parece desnecessária e talvez até maluca demais para dar certo. Mas em Brave Fencer Musashi, um action RPG isométrico lançado em julho de 1998 pela Squaresoft, a mistura foi criativamente implementada de maneira a criar algo único.

Aventurando-se pelos arredores do reino de Allucaneet para cumprir pedidos dos aldeões e avançar em sua missão de resgatar a princesa e derrotar os vilões, Musashi tira proveito do poder da Fusion Blade para absorver a magia de oponentes. Algumas delas são especialmente úteis em combate, enquanto outras podem ter uma função na solução de uma charada.

Ocasionalmente, o jogador deve completar dungeons temáticas e resgatar até 40 aldeões aprisionados em cristais, que ao serem libertos, retornam ao reino e passam a fornecer benefícios como pistas e novos serviços. Os músicos, por exemplo, restauram um a um os seus respectivos instrumentos à música de fundo de Allucaneet.

Baixinho mas nem por isso despercebido pelas leis do mundo que o cerca, Musashi também precisa lidar com a fadiga e um ciclo dia e noite que dita desde o cotidiano de NPCs até a aparição e comportamento de inimigos. Alguns estabelecimentos não abrem em certos dias da semana e se encontram fechados em determinados horários do dia.

Se não tirar proveito dos serviços prestados por estes estabelecimentos, Musashi começa a ficar cada vez mais cansado e ineficiente, até desmaiar por completo e dormir no local para recuperar 20% de sua energia.

Alguns cenários se tornam mais desafiadores durante a noite, com visibilidade reduzida e um número maior de oponentes.

Kurt, um dos aldeões de Allucaneet, é a fonte de um outro tipo de coletável disponível no jogo: action figures que podem ser adquiridas com Durans, a moeda comum no reino. Ao adquirir uma action figure, o jogador pode conferi-la no quarto do protagonista através de um menu, tendo até a opção de tirá-la de sua caixa para ler uma explicação e assistir pequenas animações ao interagir com ela.

A trilha sonora e a apresentação visual memoráveis também estão entre as qualidades de Brave Fencer Musashi, que apesar de contar com a participação talentosa de desenvolvedores da Konami e artistas conhecidos por outros títulos da Square, tem a sua própria identidade.

“Na época, jogos de ação como Musashi costumavam ter cerca de 60 músicas. Mas acho que acabei compondo cerca de 140 no final. […] Isso só foi possível graças ao reaproveitamento criativo de partes de algumas delas, uma estratégia para evitar que os jogadores ficassem entediados.”
- Tsuyoshi Sekito em conversa no quadro SEM TALK

Por último, mas não menos importante, tudo isso vem acompanhado de uma ótima dublagem e localização altamente fiel ao conteúdo original em Japonês, cheio de trocadilhos e diálogos bem-humorados. A exceção fica por parte de menções a bebidas alcoólicas, que tiveram de ser modificadas por motivos de faixa etária.

Uma espécie de continuação com o nome Musashi: Samurai Legend foi lançada para PlayStation 2, mantendo algumas características originais e até aprofundando algumas mecânicas de combate, mas fundamentalmente desapontando com fillers introduzidos para que pudesse alcançar a marca de 15 horas de duração.

Tomba!

Em tempos em que o gênero metroidvania era composto quase unicamente por seus progenitores Metroid e Castlevania, a Whoopee Camp lançava Tomba! (na Europa Tombi!) como um side-scrolling adventure platformer com um “sistema de eventos não lineares” que funcionam como missões. Sempre que o jogador presencia uma situação enigmática ou se depara com um mistério, o nome do evento é apresentado na tela e adicionado a um menu que funciona como um diário.

Quem vê nem imagina que Tomba pode ser tão prestativo e heroico quanto um protagonista de JRPG.

Na prática, esse sistema permite que a história se desenvolva de maneira mais elaborada e que o jogador rastreie melhor seus objetivos, sejam eles de curto ou longo prazo. E isso sem quebrar o suspense, já que na verdade, os nomes meramente fazem menção ao tema do evento.

Conforme completa um total de 130 eventos, que abrangem uma enorme variedade de atividades, Tomba acumula Adventure Points (APs) utilizados para abrir caixas que contém itens importantes, às vezes necessários para progredir em eventos ou avançar cenários.

Onde é que está esse tal de Mario que não aparece pra receber esse pacote?

Ao longo do tempo, Tomba também consegue vários itens que o garantem novas habilidades e possibilitam que ele acesse novos locais do mundo, entre eles uma bermuda de alta velocidade, um bumerangue que coleta itens distantes e um gancho que permite balançar por áreas sem plataformas.

Nada diz “volte depois” tão bem quanto um “você não consegue”. Poético, né?

O mapa é grande e o teor de metroidvania do game requer que o jogador retorne para cenários passados com frequência. É nesse ponto em que a modernidade de Tomba! fica ainda mais evidente: além do design inventivo, há uma grande quantidade de itens de qualidade de vida que permitem retornar a pontos anteriores de maneira ágil e gerir a saúde do personagem, além do diário de eventos que mencionamos inicialmente.

Ao derrotar o chefe de cada área, a magia dos vilões ativa nela é desfeita e muita coisa acaba mudando, desde a trilha sonora e cenário até os oponentes presentes. | Mapa por VGCartography

Em muitos sentidos, Tomba! se aproxima dos metroidvanias lançados nos dias de hoje, atingindo em cheio os seus objetivos pretensiosos e apresentando assim como Brave Fencer Musashi diversas ideias que poderiam ser aplicadas com sucesso em títulos atuais.

Em vilas, o jogo se torna um RPG isométrico de uma vez e permite que Tomba interaja com uma grande quantidade de personagens.

Tomba! também teve uma sequência, Tomba! 2, que apresenta a mesma estrutura geral mas diálogos muito mais cansativos, além de cenários e eventos não tão interessantes. Além disso, um relançamento do jogo original para plataformas modernas foi disponibilizado em Agosto de 2024, mas o resultado é questionável, considerando a presença de diversos problemas técnicos e que alguns recursos — como o tema de abertura original Japonês— tiveram de ser retrabalhados por motivos de direito autoral.

Ao mesmo tempo, em desenvolvimento pelo estúdio independente Rightstick Studios, DoubleShake promete assumir o papel de um sucessor espiritual de Tomba!, utilizando uma mecânica similar de eventos e buscando atrair também os fãs de Klonoa e outros títulos de plataforma da quinta geração de consoles.

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Rafael Smeers
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Written by Rafael Smeers

Game QA/Localization & Inbound Marketing. Previous works include Dauntless, 24 Killers and Snap the Sentinel. pt_BR / en / es / ja

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